29 de janeiro de 2009

Armando da Mangueira

Já escrevi aqui sobre o escrete do MTS (Meninos do Taboão da Serra). Time dirigido pelo Seu Edson e onde joguei ao lado dos craques Nego Ni, Luisinho SP, Betinho, Neto, Eduzinho etc, nas tardes de sábado entre 85 e 87. Este texto trata do que ocorria depois dos jogos.

Já no vestiário tudo ia se acertando. Tudo era relacionado à batucada. Uma festa na casa da tia de alguém, uma roda de samba no limão, botequim do Camisa etc.
Naquele dia, iríamos a um esquema na quadra “do Vai-Vai”. Entre aspas pois todo mundo falava “do vai-vai”, do camisa”, do Nenê”, “do mocidade”. Eu também.
Fomos eu, Yuri, Eduzinho e Luisinho SP.
Pegamos o Guaraú / Bandeira e descemos na Praça 14 Bis. Aquela muvuca toda na rua. Caminhamos para a quadra e entramos. Havia pouca gente lá dentro. A maioria das pessoas estava na rua esperando a bateria se armar, nas barraquinhas etc e perderam, (castigo), o que descrevo a seguir:

No centro da quadra, uma roda de samba, melhor, um ajuntado, pois estavam todos em pé e não tinha mesinha no centro. O que deixava claro que aquilo aconteceu num repente, sem organização prévia. Um Pandeiro, um cavaquinho e um tantã no talabarte. Me lembro bem que quando ouvi a voz, me empolguei, mas o que vi primeiro foi o rosto das pessoas olhando para o dono da voz. Estasiados, segurando a risada para soltá-la ao final do verso. Era Armando da Mangueira versando. Ou melhor era Armando da Mangueira numa batalha de verso, pois estavam ali, todos tentando lhe derrubar, Murilão, Boca Nervosa e Silvio Modesto. Quem viu sabe que todos eram parada duríssima. Ainda são Sílvio, Boca e Murilão.
Sempre fui Matildense e estar ali na quadra da Vai-Vai já era uma contrariedade, mas quando percebi o que estava acontecendo e vi a maneira como o Armando se livrava de cada verso que lhe mandavam, fui ficando orgulhoso e empolgado.
O refrão era do próprio Armando:

“Eu bebo
não deixarei de beber
Cantar
Só deixo quando eu morrer
Eu quero
Quando a morte vier
Que me encontre no samba
Bebendo cerveja
Com muita mulher...”

Vinha Murilão, paulada. Armando respondia.
Vinha Silvio Modesto, sarrafo. Armando respondia.
Vinha Boca nervosa com aqueles versinhos rápidos. Armando respondia.

O Verso se estendeu por tanto tempo que perdeu a tensão e a possibilidade de alguém dos TRÊS, derrubar o Armando moralmente.
Ficava a impressão de que só daria pros TRÊS se o Armando entregasse. Perder, ele não perdia.

Até que chegou um momento em que um dos TRÊS mandou uma primeira na qual perguntava ao Armando um negócio mais ou menos assim:

o que houve com você?
o que houve com o Da Manga?
se cansou de responder?
tá se cansando do Samba? (referindo-se ao seu cansaço, não é mais o mesmo etc)

E o Armando, cansado mesmo da batalha, respondeu durante toda a melodia da segunda parte (o que significa aos menos 8 compassos no 2X4) com um:

“Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô..."

Interrompeu, deu um gole no copo de cerveja e lascou, no tempo, olhando pra cara do inquisidor :

"O QUE É QUE HOUVE, MEU AMOR?”

Resta dizer que a gargalhada geral foi tão contundente que acabou o samba.
Todo mundo em volta bateu palma. Os 4 azes continuaram no sarro e o Armando, com aquele tamanho todo, abraçava um, tomava o copo do outro e depois já aparecia no palco pra cantar um Samba. Nesse dia ele cantou 13 Rei Patuá. E como de costume, começava a cantar do meio do samba: ...”Mas minha figa é verdadeira...”
E eu, vi a saracura balançar com um samba da Nenê.

Armando era uma figura notável e rara.



Armando da Mangueira durante o desfile da Nenê de Vila Matilde. 1983. Av. Tiradentes. Foto montagem de Douglas Germano.




P.S.: Todos os amigos citados estão vivos e plenos de consciência. Podem depor se solicitados.

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